segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A DIFÍCIL ARTE DE INSPIRAR






















Meu tio me disse uma vez, que o professor é um inspirador, ele tem de inspirar o aluno. De fato, meu primeiro professor foi meu pai. Em 1977, ele começou um costume: pegar um livro, abrir chamar meu irmão mais velho e eu, e explicar aquele livro, seu conteúdo. Lembro dele fazendo isso com o atlas da Mirador, onde nos mostrou a origem do universo, os dinossauros e detonou nossa visão criacionista da vida. Quando perguntamos a ele sobre Adão e Eva e o que a Bíblia dizia, ele respondeu:
_A Bíblia usa linguagem simbólica, aquilo é símbolo...
A resposta foi de fato bem hermética para dois meninos, um de cinco (eu) e outro de 6 anos (Marcus), mas nos desafiou a pensar e a entender termos mais complexos.
O fato é que, devido a essa inspiração que meu pai nos deu, acabamos por sempre estar à frente da escola. Meu pai comprou muitos livros e encheu uma estante. Era nossa "biblioteca". Em 1985, me invoquei e resolvi saber tudo sobre o Império Romano. Peguei a Delta Universal e li todo o verbete sobre Roma. Em 1986, foi a vez de eu ler todo o verbete sobre a Idade Média. Também descobri dois discos de música medieval, os Músicos da Provença, entre os discos de música erudita de meu pai. Achei demais quando descobri que muitas músicas eram compostas por anônimos: anônimo do século XIII, anônimo do século XII... Imaginava um fantasma tocando a música que eu ouvia, em meio a fachos de sol, numa mágica manhã, em uma floresta europeia. Sendo as coisas neste diapazão, é desnecessário dizer que eu estava à frente da escola, pelo menos na matéria História.
De 1985 a 1987, também resolvi "ser filósofo" e li sobre as vidas de Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Descartes, entre outros, em um livrinho vermelho e antigo. Em 1987, li, ainda que meio forçado, sem entender muito, O Príncipe, de Maquiavel e, por conta de uma paixão, resolvi ler Lolita, de Nabokov. Neste ano, 87, eu era rato do Cine Qua Non, o único cinema cult que existiu em Manaus e onde eu assisti preciosidades como Blade Runner - Caçador de Andróides, O Expresso da Meia Noite, Platoon e Betty Blue, o primeiro filme noir de minha vida.
Entre 1988 e 1990 _além de ler o Decamerão, de Boccaccio e todas as Estórias Extraordinárias, de Edgar Allan Poe _fiz intensa arqueologia musical dos anos 60 e 70. Pink Floyd, Led Zeppelin, Janis Joplin, Eric Clapton, The Who, Jimmy Hendrix eram redescobertos por mim e um amigo meu. Detalhe: fui eu quem influenciou ele a entra nessa "viagem lisérgica". Antes, ele havia me apresentado o marxismo e feito eu entrar no partido comunista (PCB, o Partidão). Mas quando a gente pirou mesmo, a partir de 90 (ano em que deserdamos do Partido), ele deixou o cabelo crescer e trocou os autores marxistas por outros como Olger Kersten, que escreveu Jesus Viveu na Índia.
O fato é que eu alcançei os 18 anos com uma cultura considerável. O que não vejo acontecer com meus alunos. Eles são tão carentes de cultura, de humanismo, de sensibilidade... Por isso, para além de ministrar a matéria de História, tento dar a eles _ou pelos menos a alguns deles, com quem faço amizade _um pouco do que trago comigo. Tento inspirá-los! Indico livros, autores, empresto cds, dvds, passo filmes, sou "psicólogo", "padre" (guardo confissões), às vezes "pai", não raro "irmão mais velho". Sou um "doido" que é professor deles e que eles vêem com muita curiosidade, que passa a eles um monte de coisas mágicas, que eles não conhecem. Alguém que parece conhecê-los, profundamente, de uma forma estranha, simplesmente porque teve de crescer e conhecer a si mesmo.
Eu não sou professor, sou um "moleque doido", como muitos deles me chamam. Um flautista de Hamelin, um Peter Pan amadurecido, que tenta levá-los apar um mundo mágico, embora só consiga fazer alguns voarem.



Marcelo Farias.

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